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Foto do escritorAndrei R.

[XVIII Fantaspoa] Nosferatu (1922): uma sinfonia de horrores antigos e atuais

Adaptações do célebre livro “Drácula”, lançado em 1897 por Bram Stoker, têm pipocado no cinema e na televisão há anos, cada uma com seu jeitinho especial de contar o pesadelo sensual e sanguinolento que o autor nos apresenta em toda a obra. Muito pode ser dito sobre este maravilhoso gênero cinematográfico chamado “Filmes do Drácula”, mas hoje nós vamos fazer uma viagem no tempo para o longínquo ano de 1922, quando Friedrich Wilhelm Murnau trouxe para o mundo cinematográfico a primeira adaptação não oficial de Drácula, intitulada Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens (Nosferatu: uma sinfonia de horror).



Na história, que se passa em meados do século XIX, um corretor de imóveis alemão chamado Hutter é encarregado de vender uma casa para o excêntrico conde Graf Orlok. Porém, o que ele não desconfia é que esta figura esquisita esconde um segredo milenar, e banhado em sangue. Indo visitá-lo em seu castelo nos Montes Cárpatos, Hutter acaba envolvido em uma trama que não coloca apenas ele em perigo, mas todos ao seu redor, já que a casa que o conde quer comprar é justamente na frente da sua.


Não é apenas acaso eu estar aqui hoje escrevendo sobre esta obra. Apesar dela ser incrível e não precisar de nenhuma motivação especial para ser elogiada por longos parágrafos (spoiler do que vem aí), eu tenho não apenas um, mas dois pretextos para realizar este comentário. Primeiro, a obra de Murnau completa em 2022 exatos 100 anos desde o seu lançamento. Segundo, e também muito relacionado com o primeiro, nosso amado conde Orlok entrou para a seleção oficial do XVIII Fantaspoa, o maior festival de cinema fantástico da América Latina, sediado em Porto Alegre (RS), que teve início ontem (14/04), primeiramente em formato presencial e, a partir do dia 22/04, também online. Então pegue todas as velas que estiverem por perto e siga-me até o castelo em ruínas na colina, porque hoje vamos comemorar este aniversário macabro.


Foi pensando nesta data especial que o Fantaspoa trouxe duas sessões especiais do filme, que foram apresentadas no Instituto Ling, logo no primeiro dia do evento. Além da projeção, ambas as sessões contaram com música ao vivo, a cargo de Carlos Ferreira. Como os filmes da época não possuíam diálogos falados, era comum a presença de orquestras que tocavam durante toda a exibição, criando a ambientação que a obra desejava alcançar. Mas o festival resolveu inovar nesse quesito. Carlos preparou uma trilha sonora bem contemporânea, produzindo a ambientação perfeita para inserir o público no pesadelo de Hutter e Ellen, sua esposa, com sintetizadores, batidas e muito mais. Essa ideia foi genial, comemorar o aniversário de 100 anos de uma obra em um encontro entre o antigo e o atual. Uma performance incrível que abriu o Fantaspoa chutando a porta abandonada do castelo de Orlok.


Essa união entre antigo e atual combina muito com a própria história do filme, e isso me deixou bem intrigado a sessão inteira. É um fato inegável que a obra de Murnau está no passado, e querer dizer que o diretor “previu o futuro”, “estava à frente de seu tempo” ou qualquer derivado disso é forçar a barra. Nosferatu, assim como qualquer outra obra de arte, é fruto de seu tempo. A história de um jovem alemão esperançoso, animado e vislumbrando ganhos futuros que aos poucos vai entrando em uma espiral de terror completo causada por um estrangeiro ter sido lançada na década de 20 — em uma época em que a própria Alemanha passava por grandes crises causadas pela derrota na Primeira Guerra Mundial — não é coincidência. Toda obra é fruto de seu tempo e, mesmo que não fosse a intenção de Murnau de tratar sobre um território em crise, este é o mundo que ele conhece.


O próprio texto original de Drácula lida com assuntos contemporâneos à Stoker, como as relações entre a chamada “Europa Ocidental” e os territórios do leste europeu que estavam se tornando independentes do Império Otomano. As ansiedades causadas por esses acontecimentos e as diversas opiniões correntes na época aparecem no livro, se tornando um material muito rico para tratar os anseios e crises que Murnau vivenciava. Na história, vemos Conde Orlok, um estrangeiro, entrando em Wisborg, uma cidade pacata e aparentemente tranquila, trazendo consigo a peste, a morte e tudo o que é de ruim e imoral. Uma realidade que muito provavelmente um residente na Alemanha durante a década de 1920 fosse visualizar e encontrar paralelos com a sua própria. Orlok é a sombra que persegue os inocentes no filme, assim como a crise é a sombra que persegue Murnau e seus contemporâneos.



Mas se Nosferatu é um produto do passado, que união entre “antigo” e “atual" é essa? Assistindo o filme é difícil não achar estranhamente familiar algumas coisas que acontecem na trama. Ansiedade e medo causado por estrangeiros, crises de peste e reações inflamadas buscando encontrar um bode expiatório para explicá-la. Eu poderia estar falando dos últimos 5 anos, mas isso tudo aparece em Nosferatu. Nossa mente está acostumada a fazer paralelos, o presente sempre arranja um jeito de conversar com o passado. Em certo momento eu até pensei “Nossa isso é tão Halloween Kills” (você sabe qual). Essas conversas entre a obra, seu tempo e o presente de quem assiste podem ser muito interessantes e enriquecem ainda mais a experiência de assisti-la.


Nosferatu é um filme que veio antes da tendência de adaptações da obra de Bram Stoker e que quase não tivemos a oportunidade de ver hoje, já que os herdeiros do autor irlandês solicitaram a destruição das cópias, pois não haviam cedido os direitos autorais. Por sorte, algumas já haviam sido distribuídas, garantindo que hoje em dia ainda possamos admirar uma obra de qualidade técnica aterradora e uma adaptação muito original de um livro também magnífico. Ele consagrou a imagem do conde Orlok como uma entidade separada do conde Drácula, um irmão igualmente poderoso e assustador. Fruto de ansiedades do tempo em que foi produzido, também conversa conosco, enquanto vivenciamos uma crise que parece nunca ter fim.


O XVIII Fantaspoa está acontecendo de maneira híbrida, com sessões exclusivas presenciais em Porto Alegre, e online de forma gratuita na plataforma Darkflix de 22 de abril a 01 de maio.

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