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Foto do escritorGustavo Fiaux

[XVII Fantaspoa] O legado maldito brasileiro impera em O Cemitério das Almas Perdidas

Atualizado: 12 de abr. de 2021



Faz muito sentido que O Cemitério das Almas Perdidas, mais novo filme de Rodrigo Aragão, comece justamente com um tributo a José Mojica Marins, o nosso eterno Zé do Caixão. Isso porque o novo longa do diretor de A Noite do Chupacabras e A Mata Negra é justamente uma “celebração profana” dos legados e heranças.


Isso funciona tanto de modo intertextual, quando falamos de como Aragão representa o legado que Zé do Caixão deixou para trás no horror brasileiro - fazendo seu cinema de guerrilha e criando os pilares de uma tradição nacional - como também na própria trama do filme. Aqui, somos apresentados a um grupo de padres jesuítas que viajam ao Brasil, trazendo consigo o maldito livro de São Cipriano. Eles participam ativamente do massacre de povos indígenas e cometem outros atos hediondos no período colonial, mas seu legado perdura durante os séculos, até que a maldição volta para prestar contas com quem entra no cemitério que dá nome ao longa.


Se você acompanha as obras do diretor, deve já ter percebido que todos os seus filmes dialogam entre si e se complementam, formando um vasto universo compartilhado aos moldes do que a Marvel faz no cinema, por exemplo. O Cemitério das Almas Perdidas é como o alicerce dessa franquia, explorando elementos e temas que foram abordados em todos os filmes anteriores de Aragão.



Por outro lado, há problemas nítidos em relação ao ritmo e à própria estrutura narrativa. O filme corta entre narrativas no presente e no passado, mas a conexão entre essas duas temporalidades só se dá no final, o que gera uma sensação de atropelamento das duas tramas e dos núcleos do elenco. É diferente, por exemplo, da bagunça orquestrada que é A Mata Negra, que funciona em seu modelo episódico e quase antológico.


Ainda assim, é impressionante como o filme representa o ápice do legado de Rodrigo Aragão para o nosso cinema. É um longa maldito e profano que se destaca pelo alto valor de produção (especialmente considerando que o diretor capixaba começou com produções ultra-independentes) e pelo refinamento técnico, mas que também impressiona pela ousadia em abordar certos temas, ainda mais em uma época tão calamitosa para o país.


Sem hesitar, o filme apresenta a hipocrisia cristã, o genocídio indígena e a intolerância como a principal herança deixada pelos portugueses desde que desembarcaram em solo tupiniquim. Isso é retratado em cenas que chegam a ser assustadoras quando analisadas sob um contexto atual, como quando alguns evangélicos vão a um circo e classificam o lugar como um antro de adoradores do demônio. Mais atual que isso? Difícil.


Em suma, O Cemitério das Almas Perdidas é um belo filme sobre todo o sangue derramado neste país. Ele peca um pouco em sua estrutura e em seu ritmo, mas compensa com uma forte atmosfera e críticas sociais que nunca estiveram tão atuais. É a joia da coroa do “Aragãoverso” e mais um prestigiado trabalho do horror de resistência nacional.


O Cemitério das Almas Perdidas e muitos outros filmes fazem parte do XVII Fantaspoa, totalmente online e gratuito, disponível na plataforma Wurlak.


O CEMITÉRIO DAS ALMAS PERDIDAS

BRASIL | 2020 | 94 minutos

Direção: Rodrigo Aragão

Roteiro: Rodrigo Aragão

Elenco: Renato Chocair, Allana Lopes, Diego Garcias, Carol Aragão, Francisco Gaspar


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