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Foto do escritorAlvaro de Souza

[XVII Fantaspoa] História do Oculto: conspirações, instabilidade política e bruxaria



Existe algo de aterrador que está intrínseco ao estudo da história de locais que foram alvo de um processo tão brutal quanto a colonização. A América Latina, por exemplo, é um lugar onde qualquer um que se aventure neste ofício, vai descobrir que somos um continente construído sobre uma gigantesca poça de sangue. Inúmeros genocídios, instabilidade política e ditaduras violentas são pontos comuns ao longo da nossa História, mesmo que optemos em olhar pelo lado das pessoas que resistiram e ainda resistem, se recusando em curvar-se. Ainda assim, segue deitando-se por cima de nós a sombra desses dois leviatãs que são o imperialismo e o colonialismo europeu e estadunidense. História do Oculto (2020) se constrói a partir desta angústia, na qual somos pequenos seres tendo de resistir a um mal antigo, sem forma e que parece estar por toda parte.


O longa argentino do diretor Cristian Ponce (criador do divertido seriado Frequência Kirlian, 2017) se passa nos turbulentos anos 1980. Acompanhamos o programa de televisão "60 Minutos Antes da Meia-Noite", que está na sua última apresentação. E apesar da resistência do canal, decidiu-se fazer com que esta última edição fosse bombástica; ao terem acesso a um caderno que estava na cena de um crime sem solução, e que atiçou a curiosidade da nação inteira, os apresentadores descobriram três nomes que podem indicar uma conspiração muito maior. Portanto, esses três dos nomes no caderno (um político, um sociólogo e o estranho dono de uma grande empresa) são convidados ao programa para prestar esclarecimentos e tentar mapear quais seriam suas ligações com o caso.


Enquanto a edição transcorre, acompanhamos também os jornalistas responsáveis pela pesquisa do programa, escondidos num esconderijo assistindo à transmissão completamente apreensivos. Após meses reunindo provas, eles tem certeza de que os envolvidos (em especial o dono da empresa) estão diretamente ligados com o presidente do país numa teia de relações fraudulentas, e se conseguirem provar isso em rede nacional, será o empurrão que faltava para a queda deste. Porém, os rumos que a entrevista toma vão se tornando cada vez mais imprevisíveis e os personagens (assim como o resto do país) se veem no meio de uma história envolvendo cultos, bruxaria e entidades incompreensíveis.



Descrita pelo próprio diretor como a mistura de Todos os Homens do Presidente (1976) com o ocultismo, História do Oculto traz o melhor que o gênero do Terror tem a oferecer. Conduzindo sua narrativa em tempo real (os 60 minutos do programa) e em apenas dois ambientes (a casa onde estão os jornalistas e o estúdio de televisão), Ponce consegue criar uma história instigante e complexa com muita criatividade, sem jamais subestimar o espectador em momento algum.


Existe desde o primeiro momento a sensação de algo está muito errado, e de que o pior ainda está para acontecer. Nunca perdendo o ritmo, Ponce vai pouco a pouco construindo a trama e aumentando a tensão percebida nos personagens, que precisam de uma confissão feita ao vivo no programa para que valha a pena todo o trabalho que tiveram. A todo momento, informações e fragmentos nos são dados e, embora a princípio não façam sentido, aos poucos se juntam na mente do espectador e formam uma imagem cada vez maior, mais estranha e mais assustadora dessa Buenos Aires que o cineasta nos apresenta. A angústia cresce a cada informação revelada e que nos leva a outras que parecem fazer ainda menos sentido. E embora o final ajude a amarrar várias das pontas, fica a impressão de que algumas coisas escaparam ao nosso radar.



Além disso, o filme propõe brincadeiras com a sua própria forma. A imagem chuviscada de uma televisão dos anos 1980, vista numa razão de aspecto de 1.33:1 (que é aquele formato quadradão de imagem), alterna com widescreen (aquele formato mais tradicional de tela, que é retangular). Já nas sequências surreais, outro recurso é utilizado: a cor vermelha aparece casualmente invadindo a monocromia do preto e branco. Aliás, a mudança que chega ao final deste momento resinifica tudo que vimos até aquele ponto do filme, e demonstra não apenas a criatividade do diretor, como também sua enorme segurança para contar essa história — e jamais deixa de ser surpreendente que este seja seu primeiro trabalho na direção de um longa-metragem.



Falar mais sobre História do Oculto seria estragar a experiência. Durante todo o tempo parece que o Ponce está te levando para os cantos escuros de uma Argentina feita de pesadelo. Absurda, sim, mas ao mesmo tempo estranhamente próxima da nossa realidade. Histórias de pessoas que são apagadas da face da Terra e de figuras obscuras que parecem estender seus tentáculos (perdão pela referência óbvia) a todas as instituições em volta, infelizmente, são elementos com os quais nós brasileiros estamos tristemente familiarizados. O flerte com o horror cósmico casa perfeitamente com o clima de insegurança e paranoia retratado pelo filme: uma época em que o país saía de uma das ditaduras mais sanguinárias do continente e entrava num período de democracia extremamente instável. Assim, tanto nós quanto os personagens vamos nos deparando com algo que, a princípio, parece simples. Lentamente, porém, esse algo vai crescendo e ficando cada vez mais complexo e disforme.


Afinal de contas, algum dia será possível escapar das mãos desses seres sem rosto que controlam tudo? Algum dia conseguiremos quebrar esse ciclo no qual estamos presos? Conseguiremos escapar do nosso passado, este que parece nunca ter realmente passado? Existe futuro?


História do Oculto e muitos outros filmes fazem parte do XVII Fantaspoa, totalmente online e gratuito, disponível na plataforma Wurlak.


HISTORIA DE LO OCULTO

ARGENTINA | 2020 | 82 minutos

Direção: Cristian Ponce

Roteiro: Cristian Ponce

Elenco: Germán Baudino, Nadia Lozano, Héctor Ostrofsky, Agustín Recondo, Lucia Arreche





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