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Foto do escritorAlvaro de Souza

[Rebobinando] Blood Beat: o samurai que roubou o Natal



Sejam bem-vindos ao [Rebobinando], a coluna do Esqueletos no Armário que te levará de volta aos tempos de locadora para tirar a poeira do VHS (ou do DVD) e revisitar alguma obra, seja ela um clássico memorável ou uma pérola esquecida que precisa de um pouco mais de carinho. Chega junto, liga a tv e não se esqueça de rebobinar antes de devolver!


 

As noites longas e frias do hemisfério norte durante o mês de dezembro tornaram o natal uma data propícia para contação de histórias sobrenaturais, não coincidentemente a história natalina mais famosa do mundo é sobre um homem visitado por três fantasmas na noite feliz. O nosso natal de quarenta graus que castiga Papai-Noel de shopping não nos impede de desfrutar dos frutos dessa tradição gringa. Os contos fantasmagóricos do Charles Dickens, telefilmes de terror da BBC e dezenas de Papais-Noéis psicóticos de exploitation baratos já viraram companheiros habituais dos fãs de terror nessa época do ano. Nesse filão vale a pena conhecer a pequena pérola do cinema B oitentista Blood Beat que acrescenta talvez a figura mais inusitada ao panteão.


Filho único do diretor francês Fabrice Zaphiratos, Blood Beat ganhou status de cult com o passar dos anos graças a sua premissa peculiar: um slasher sobrenatural onde uma família norte-americana é aterrorizada na noite de natal por um… samurai fantasma. O rótulo de “tão ruim que é bom”, “trash” e bizarro por um lado criou um interesse sobre a obra que ajudou ela a ser restaurada e redescoberta (hoje é possível achá-lo em blu-ray) mas também acabou por reduzir o filme a uma categoria de apenas um "guilty pleasure” que considero um tanto injusta.



O filme se passa no interior do estado de Wisconsin, temporada de caça num inverno sem neve. Um rapaz e a irmã que moram na cidade vão visitar os pais que moram no interior pras festas de final de ano e apresentar a namorada dele para eles. Antes mesmo dos dois chegarem a mãe já começa a sentir um pressentimento funesto: o marido chega em casa com uma carcaça de cervo recém caçado e por alguma razão inexplicável isso a faz ter um pequeno surto. A chegada dos filhos não melhora a situação, assim que ela bate o olho na nora já fica claro que as duas se repelem mutuamente.

A nora se sente desconfortável logo de cara e a sogra não esconde a desconfiança crescente em relação a ela. Os sinais estranhos se multiplicam: a matriarca entra em transe enquanto pinta seus quadros abstratos, ambas começam a ter visões e pressentimentos e durante uma caçada a jovem encontra um homem ensanguentado na floresta. Tudo culmina na noite em que um baú misterioso aparece dentro do quarto do jovem casal e ao ser aberto revela conter uma inexplicável armadura samurai. A partir desse ponto a casa começa a ser abalada por uma série de eventos sobrenaturais e a ser rondada por uma presença assassina com uma ligação psíquica com a nova integrante da família.



Razões para Blood Beat ter ganhado um certo status de cult não faltam. A produção é cercada de histórias pitorescas como o fato do diretor já ter comentado abertamente sobre ter filmado parte do filme sobre efeito de drogas (o título viria dos batimentos acelerados que ele tinha durante as gravações), o formato de tela é resultado do diretor de fotografia ter achado que estava gravando um filme pra televisão e só terem percebido isso na edição, o pai e mãe da família serem um casal na vida real que está no filme por serem conhecidos do diretor (todas as pinturas que aparecem foram pintadas pela atriz que já fazia isso como hobbie). Para além da história girar em torno de um samurai aterrorizando uma família caipira no interior de Wisconsin alguns fatores técnicos contribuem para o título de “filme trash” que o filme recebeu como as atuações exageradas, os efeitos “ruins” e o áudio que as vezes torna alguns diálogos indecifráveis (de longe o maior defeito do filme). Mas como disse, acho injusto reduzir o filme apenas a pecha de “tão incompetente que é bom”.


Talvez o principal diferencial de Blood Beat em relação a outras dezenas de filmes de slasher natalinos é que ele trabalha na sua própria lógica de pesadelo. Os efeitos especiais não buscam o realismo e o contraste deles com a forma quase documental com que o dia a dia da família e das pessoas da região é retratada é essencial para criar a sensação de deslocamento da realidade. A presença do sobrenatural é mostrada através de efeitos na imagem e desenhos feitos direto no negativo que destacam a ameaça como algo fora do mundo, algo específico desse universo de celuloide e atuações novelescas. Blood Beat com o seu universo próprio de representações paranormais que fruto da pura artificialidade do cinema me parece muito mais próximo de filmes como Hausu (1977) e o uso que David Lynch faz em alguns dos seus filmes.




Também é impossível assistir Blood Beat e passar despercebido pelo embate quase freudiano entre a nora e a sogra. A personagem é um corpo estranho naquele grupo e que logo de início vira alvo da matriarca da família numa disputa que vira um verdadeiro duelo de poderes telecinéticos que literalmente faz a casa chacoalhar. A disputa das duas pelo filho (ou pela proteção da família como a mãe diz) parece um típico plot de filme de natal, não fossem os assassinatos e todo o resto, claro. A conexão psicossexual que a jovem cria com o samurai fantasma que resulta numa cena inacreditável dela chegando ao orgasmo enquanto assassinatos são cometidos com uma katana (mais fálico que isso impossível) também é algo que deve fazer Freud rir no inferno.


A premissa inusitada é sem dúvidas o maior chamariz de Blood Beat, mas certamente não a sua única qualidade. Um ótimo exemplo do uso criativo dos recursos limitados para criar uma experiência quase hipnótica e, por que não, bastante divertida. O sentimento de estranheza constante do filme que pode ser tanto imersivo para alguns quanto motivo de riso para outros (talvez os dois ao mesmo tempo) casa perfeitamente com a sensação de se escutar uma história estranha de fantasmas noite adentro. Pra mim é um clássico natalino.






PS: As suas esquisitices visuais e narrativas que viraram o charme do filme chegaram a inspirar uma banda (Nervous Curtains) a fazer um álbum para ser assistido junto e aproveitando toda a aura surreal do projeto. No blu-ray gringo é possível ver uma versão silenciosa do filme com a trilha sonora nova já inclusa, mas ela também pode ser encontrada separadamente no youtube.


 

BLOOD BEAT

1983 | EUA | 85 minutos

Diretor: Fabrice A. Zaphiratos

Roteiro: Fabrice A. Zaphiratos

Elenco: Helen Benton, Dana Day, James Fitzgibbons, Claudia Peyton, Peter Spelson, Franck Miley, Carol Wagner


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