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Foto do escritorRodrigo Lopes

'O Lamento' de um homem enganado pela própria masculinidade



A popularidade de filmes como Midsommar e A Bruxa reacendeu o debate sobre o folk horror nos tempos modernos. O subgênero explorador de temas como crenças, rituais, lendas folclóricas, onde os acontecimentos se passam, geralmente, em comunidades campestres isoladas, tem como um de seus principais representantes o clássico O Homem de Palha (1973) e por muito tempo foi associado ao cinema de horror europeu. Muitos filmes orientais ainda não possuem a fama dos clássicos antigos e modernos do horror rural, mas isso não impediu, felizmente, que o sul-coreano O Lamento (The Wailing) brilhasse com uma narrativa que abraça o folk horror e brinca com gêneros e com as nossas expectativas (e corações).


Na história, acompanhamos o atrapalhado policial Jong-Goo (Kwak Do-won), que investiga estranhos acontecimentos na pequena vila onde mora. Aparentemente, uma doença está transformando os moradores em assassinos psicóticos, que matam sem motivo e morrem de causas desconhecidas. Ninguém sabe como isso começou, mas o início da onda de sanguinolência coincidiu com a chegada de um estranho japonês que vive sozinho na floresta ao redor do vilarejo, despertando o interesse do policial, ao perceber que o mal, antes distante, está bem próximo a sua filha, Hyo-Jin (Kim Hwan Hee).



Muitos críticos tratam O Lamento como um dos casos de filmes de horror de destaque por quebrar muitas fórmulas convencionais vistas com maus olhos pelos mesmos. Sim, estamos falando dos injustamente odiados jumpscares e todos aqueles elementos sobrenaturais batidos, mas ainda muitas vezes divertidos do gênero. Certamente, esse horror sul-coreano se sobressai por não seguir caminhos fáceis e previsíveis. Porém, um de seus triunfos é a forma como a visão clássica de terror é inserida na construção da mitologia e, posteriormente, é subvertida para o desenvolvimento do personagem. Digo isso porque, logo no início, ela está lá, no gore excessivo, nas sequências criadas para darem aquele frio na espinha, nas imagens sobrenaturais jogadas em nossa cara e nos trovões que interrompem uma história assustadora sendo contada por um dos personagens. Esses elementos, que representam aquele terror que todos conhecem, e muitas vezes julgam, fazem parte da introdução ao universo do filme, dando até espaço para um tom cômico que pode parecer deslocado, mas tem sua função na forma como o personagem principal encara os acontecimentos.


O que faríamos para salvar aqueles que amamos? O que gastaríamos? Em quem confiamos? Quem mataríamos? São dilemas que o herói da história encara ao perceber que o demônio, que devastou moradores da vila, vive em sua filha agora. Ele não só cai de cabeça na investigação, como também faz um autojulgamento de sua própria personalidade. Não existe mais espaço para o policial atrapalhado, e constantemente repreendido pelo chefe, tropeçar, se amedrontar ou hesitar. Agora, ele precisa provar de que é capaz e parece querer mostrar sua virilidade para si e para os outros. Em um dos momentos de demonstração, ele reúne, de peito estufado, os homens do vilarejo para caçar o japonês.


“Ei, não se culpe. Não é sua culpa ... que você é um homenzinho afeminado com bolas do tamanho de ervilhas."

Já que falamos sobre o japonês (Jun Kunimura), o indivíduo misterioso da floresta acusado pelos moradores de ser a causa dos males que assombra a vila, precisamos também discutir o papel das outras figuras que orbitam o policial: O Xamã (Hwang Jung-min), de origem duvidosa, que se torna um dos recursos para a salvação de todos os problemas; e uma figura feminina vestida de branco (Chun Woo-Hee), ignorada constantemente, que tenta alertar o protagonista da jornada que ele enfrenta.


O final deixa mais perguntas do que respostas. Em um ponto na trama, os caminhos que pareciam certos antes, na verdade eram os errados (ou não). Os personagens que conhecíamos são bem diferentes do que pensávamos (ou não). Chegamos em uma encruzilhada onde o futuro será traçado baseado em quem confiamos. A fé depositada pelo protagonista em cada uma dessas três figuras salvará ou ceifará o seu destino.



Cuidado: o texto abaixo contém spoilers do filme.


Descobrimos que o Xamã está a serviço das forças malignas que possuem a filha do policial, que a mulher de branco é uma espécie de protetora da vila e de seus moradores e que o japonês luta contra sua própria possessão e realiza exorcismos que transferem, por um período de tempo, o demônio dentro dele para os moradores da vila, causando todo o caos e massacre. Ao matar o japonês, junto ao seu time de homens, o herói, sentindo-se realizado e tendo provado sua força, deixou que o demônio possuísse por completo o corpo dele. Ignorando o recado da protetora da pequena cidade e influenciado pelo Xamã, Jong-Goo vai até sua casa e é assassinado pela própria filha, totalmente possuída. O Xamã e o demônio cumpriram seus objetivos, enquanto o herói morre clamando pela garota.


"Tudo bem. Meu bebê. Você sabe que o papai é policial. Eu vou cuidar de tudo.”

Ao presenciar o primeiro assassinato, Jong-Goo logo desconfia dos cogumelos próximos ao local do crime como um veneno causador do surto. No final, entendemos que o cogumelo é uma armadilha deixada pela mulher de branco para capturar o demônio. Mas seus conselhos e suas armas não se comparam à ignorância de homens que pensam que sabem de tudo.


O Lamento é a morte de um homem enganado pela sua própria masculinidade e pelos homens ao seu redor. Em uma simbólica cena que acompanha a realização de dois rituais diferentes, o Xamã, com o disfarce de exorcizar o demônio no corpo da garota, tenta matá-la. A criança chora para que o pai pare o ritual. Por um bom tempo, o policial tenta ser forte à dor da filha, mas não resiste e interrompe o falso exorcismo, deixando sua "fraqueza" e sensibilidade salvar sua filha pelo menos uma vez.



1 comentário

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1 opmerking


alien cuzão
alien cuzão
23 aug. 2023

Bom texto

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