Juventude Transtornada: A nova ascensão do terror adolescente
Atualizado: 19 de set. de 2021
Ainda nesta semana, a Netflix irá lançar Rua do Medo: 1994, o primeiro de uma trilogia de filmes baseado na série de livros homônimos de R.L. Stine. O filme marca uma iniciativa por parte do serviço de streaming de criar uma nova franquia de horror, dando continuidade a algo que já estavam fazendo em filmes como A Babá e na série Stranger Things, que flerta diretamente com o gênero a cada temporada.
Todos esses lançamentos nos fazem ficar intrigados por esse retorno glorioso dos filmes de terror adolescente em Hollywood, especialmente após um bom período de produções onde apenas adultos se destacavam - não apenas como os protagonistas, mas também como o público para o qual eram destinadas essas produções.
E para analisar esse retorno, é importante dar uma volta no passado, especialmente na década de 50, onde o terror começou a ser visto como um gênero muito popular entre o público mais jovem. Abraçando os filhos da guerra, os longas se enraizaram nos medos e anseios da geração boomer. Nessa época, os filmes fascinavam por seus efeitos visuais e pelas histórias que pareciam tiradas dos quadrinhos lidos por adolescentes, sempre explorando o medo de monstros, alienígenas e o receio de uma guerra nuclear.
A segunda onda do terror adolescente veio nas décadas de 80 e 90, quando os estúdios começaram a perceber que filmes de terror tinham um grande potencial comercial - afinal, eram feitos com orçamentos bem baixos e podiam render grandes quantias graças à avidez de um público ansioso por novos monstros e vilões terríveis.
Nisso, até mesmo as histórias eram modificadas para compreender protagonistas juvenis, a exemplo de A Hora do Pesadelo, A Hora do Espanto, Gremlins, Acampamento Sinistro, Sexta-Feira 13 e até mesmo Pânico. Ainda que os atores por trás dessas franquias fossem geralmente adultos, havia ali tramas envolvendo a vivência de crianças e adolescentes: os dramas de ensino médio, romances frustrados e até mesmo o amadurecimento.
Por isso, não é de se estranhar que o terror adolescente tenha voltado com tudo à cultura pop justamente em meio a uma onda nostálgica relacionada aos anos 80. O grande culpado por isso é, evidentemente, Stranger Things. Quando a série estreou em 2016, ninguém tinha uma dimensão exata do sucesso que ela faria, levando em conta a divulgação quase inexistente por parte da Netflix.
Porém, os personagens e a trama (que foram construídos pensando em algoritmos) realmente atraíram um bom público - e o boca a boca ajudou a consolidar a série como um dos maiores sucessos da plataforma. Ainda que o horror aqui não seja algo tão tenebroso, há algo de muito especial na história que lembra os clássicos blockbusters dos anos 80 com uma pitada bem generosa de Stephen King.
E falando nele, 2017 nos trouxe uma outra prova de como o terror adolescente poderia prosperar nos cinemas, graças a IT - A Coisa, a primeira parte de uma duologia que adaptaria o livro do Mestre do Horror, focado na misteriosa cidade de Derry, alvo dos ataques sanguinários de um vilão metamorfo que toma a forma de um palhaço hediondo.
Tanto IT - A Coisa quanto Stranger Things acertaram em cheio em seu ponto mais evidente: os personagens. Os elencos de ambas as produções são indispensáveis para trazer esse sentimento de jovialidade, principalmente porque são adolescentes de fato tendo que lidar com suas próprias vivências. Isso passa uma grande veracidade e cria grandes revelações para o cinema, como Millie Bobby Brown, Finn Wolfhard e Sophia Lillis.
Esse surgimento dos “super-astros” se expandiu para outras franquias e séries, ajudando a criar essa rede de ressurgimento do terror adolescente com mais força, Sophia Lillis esteve em Maria e João: O Conto das Bruxas e I Am Not Okay With This. Finn Wolfhard foi para Os Órfãos e estará no próximo Caça-Fantasmas, enquanto Millie Bobby Brown deu uma ajudinha para seu herói, o Godzilla, nos cinemas.
Mas mesmo sem esses astros, esse subgênero - se é que podemos chamá-lo assim - continuou prosperando, dando espaço também para adaptações de livros infanto-juvenis de horror que já eram bem aclamados. A primeira tentativa disso veio com Goosebumps: Monstros e Arrepios de 2015 (também baseado em uma série popular de R.L. Stine), mas o humor fora do tom e a bagunça de referências e easter-eggs impediu o filme de alcançar todo o seu potencial.
Talvez a adaptação mais bem-sucedida tenha sido Histórias Assustadoras para Contar no Escuro. Lançado em 2019, o filme é baseado na popular série de livros de Alvin Schwartz, que remontam contos e lendas urbanas de uma forma curta e bem sinistra, tudo abrilhantado pelas ilustrações atmosféricas de Stephen Gammell (que diga-se de passagem, foram muito bem traduzidas para as telas).
O que faz esse longa ser tão potente (além do dedo de Guillermo del Toro na produção) é a forma como todo o horror da história é mesclado com uma subversão da nostalgia. Com sua história passada na década de 60, temos discussões severas sobre movimentos de libertação sexual e a relutância da juventude em servir na Guerra do Vietnã, em vez de uma glorificação da época através de visuais exagerados e o senso saudosista, por exemplo.
Assim, de pouquinho em pouquinho, essa era adolescente veio para agradar todos os tipos de fãs. De um lado, temos a nostalgia crescente, tanto representada nos períodos em que se passam esses filmes quanto nas datas de publicação das obras que deram origem a eles, ao mesmo tempo em que discussões contemporâneas podem ser trazidas à tona para conscientizar o novo público desses lançamentos.
Claro que há deslizes que não podem ser esquecidos. Stranger Things é sempre lembrado pelo teor anticomunista que permeia todas as temporadas, em especial a terceira. IT: A Coisa, por outro lado, sentiu uma queda de qualidade geral em seu segundo filme - e talvez, boa parte disso esteja no fato de que as histórias do Clube dos Perdedores adultos não são tão interessantes quanto às das suas contrapartes juvenis.
Mas já estamos nos encaminhando para uma nova era e mais filmes estão prestes a sair - a começar pela trilogia Rua do Medo, com cada longa sendo lançado na Netflix uma semana após o outro. Aqui, temos uma chance boa de vermos mais desses “super-astros” juvenis (Sadie Sink, a Max de Stranger Things, é uma das protagonistas), além de termos um gostinho do trabalho de R.L. Stine de volta às telas.
Não apenas isso, mas boa parte das franquias citadas aqui também terão seu resgate no futuro. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro deve retornar para mais um longa, enquanto Stranger Things ainda tem algumas temporadas a caminho antes de seu encerramento. E isso porque não estamos considerando o impacto que essas histórias podem trazer para que mais produções originais saiam do papel.
Particularmente, acredito que agora seria o momento ideal para um reboot completo de Goosebumps, abandonando de vez o filme de 2015 e migrando para o lugar de onde a saga jamais deveria ter saído: a televisão. A série dos anos 90 já era excelente ao apresentar o horror para as gerações mais jovens e seria fantástico ver uma continuação espiritual da produção aos moldes do Creepshow da Shudder.
Essa seria a oportunidade perfeita para continuar a criar histórias de horror para um público mais novo, ao mesmo tempo em que saciaria a nossa curiosidade em ver as releituras dessas obras tão importantes de R.L. Stine. Dessa vez, tramas que se adaptem a novos questionamentos e que abracem os frutos da contemporaneidade, mas que não esqueçam o que é mais primordial: nos deixar arrepiados até o último fio de cabelo.
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