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Foto do escritorYuri Cesar Lima Correa

[Entrevista] Fantaspoa e a Diversidade: João Fleck fala sobre a presença de LGBTQs no festival

Perguntamos sobre a presença LGBTQ no Fantaspoa ao fundador do evento, João Fleck — na foto visto ao lado do veterano cineasta Roger Corman, convidado da 15ª edição do Fantaspoa.


Conversamos com João Pedro Fleck, fundador e organizador do Fantaspoa, festival de cinema fantástico de Porto Alegre dedicado aos filmes de gênero (Fantasia, Terror e Ficção Científica). Esta é a 17ª edição do evento, que pelo segundo ano consecutivo acontece de forma totalmente online — e gratuita, vale lembrar.


Tudo muito legal, tudo muito bonito. Mas nós do Esqueletos, como os LGBTQs fãs de horror e militantes que somos, queríamos ir direto ao ponto que nos interessa e perguntar ao João: a diversidade sexual e de gênero tem peso na seleção de filmes do Fantaspoa?


Esqueletos: Como é para vocês, enquanto festival, trazer pautas de diversidade? Isso pesa ou não pesa na hora de escolher os filmes?


João: Tem os dois lados da coisa, tipo assim, se vier a questão indígena, por exemplo, pra pegar um lance que é muito mais específico e que tem muito menos dentro do Fantaspoa. Se vier um filme indígena e for um filme muito ruim, ele não vai entrar. A nossa prioridade dentro do Fantaspoa é primar pela qualidade do que a gente acredita que seja um bom material. Agora, se a gente tem dois filmes em pé de igualdade, e um dos filmes é feito por uma minoria, por exemplo, dirigido por uma mulher, que tem muito menos presença nesse cinema de gênero (...) a nossa tendência sempre vai ser dar espaço para as mulheres exatamente porque o mercado muitas vezes não dá.


Esqueletos: E por que dar esse espaço é importante para vocês?


João: Sempre que aparece esse espaço, a gente busca explorar porque, cara, quantas vezes a gente vê, por exemplo, a questão indígena representada no cinema de gênero? Tem um filme que está na programação deste ano chamado Ritos Ancestrais (2020) que fala de algo que eu nunca vi antes. Claro, não vou dizer que é um projeto revolucionário, mas ele fala pela primeira vez de um exorcismo indígena. Eu vejo filmes desde os 7 anos de idade, e eu nunca vi um exorcismo indígena acontecendo na tela. Então, a partir do momento que fazem isso bem feito… E mesmo sendo dirigido por um homem branco, são três mulheres protagonistas, sabe? É uma coisa muito importante para nós dar espaço para indígenas, para mulheres etc.


Esqueletos: São filmes que trazem algo de novo, então?


João: Nós buscamos filmes que não deixem as pessoas indiferentes. Tem outro filme que estamos passando, também dirigido por uma mulher, que é o Carroña (2019). É uma podreira, tem muita gente que detesta, e tem muita gente que ama. O que eu quero dizer é: são conteúdos que nenhum outro tipo de festival recebe, sabe? O próprio Playdurizm (2020), sobre o qual vocês escreveram, cara, ninguém mais conhecia esse filme. Somos nós quem estamos promovendo recém a terceira exibição dele no mundo inteiro.


Dono de inúmeras histórias tão inusitadas quanto a programação do Fantaspoa, João recapitulou a gênese do evento: "Queríamos fazer um festival ao qual gostaríamos de ir", conta ele, e logo explica que tem muito respeito pelos outros festivais brasileiros de cinema, mas que este aqui é voltado ao público. "É uma experiência comunitária", ele define, acrescentando que a seleção de filmes não é feita apenas para a apreciação dos críticos e nem para servir como vitrine de grandes distribuidoras.


João me conta que foi a partir de 2008 que ele e o Nicolas Tonsho (co-fundador) começaram a perceber o potencial que o Fantaspoa tinha para ser uma engrenagem de destaque no mercado de cinema brasileiro. Hoje, segundo ele, o evento é um elo importante responsável tanto por levar filmes para fora do Brasil (especialmente ao Canadá e Inglaterra), quanto para trazer filmes de fora e promover sua distribuição nacional. É nesse ponto que ele ressalta como as produções de minorias, particularmente as do meio queer, têm procurado cada vez mais o Fantaspoa.


Nicolas Tonsho e João Pedro Fleck — Foto/Beta Iribarrem

Além disso, segundo o organizador, o festival recebe todos os anos mais de 800 inscrições vindas do mundo inteiro, e que todos os filmes selecionados passam obrigatoriamente pelo aval dele ou do Nicolas. Por isso, pergunto sobre os "achados" dessa peneira:


João: O Playdurizm é um caso muito bacana, por toda a peculiaridade do projeto, mas além dele dá pra citar outro, até porque também tem um conteúdo bem queer, que é o Este Jogo se Chama Assassinato (2021), com o Ron Perlman, que é um puta ator num filme de mais orçamento que também escolheu o Fantaspoa para fazer a sua primeira exibição. O diretor não me contatou, ele fez a inscrição e participou do processo de seleção do mesmo modo que qualquer outro dos participantes.


O Esqueletos também acompanhou uma live promovida pelo Fantaspoa com os produtores e o diretor de Playdurizm. E durante a entrevista, os convidados contaram ao próprio João Fleck que não sabiam da existência de interesse por filmes assim na América do Sul.


O organizador se diz muito feliz de saber que o festival é alvo de atenção não só de projetos tão singulares, mas que também são produzidos por minorias. Proponho ao João a ideia de que a experimentação está muito atrelada aos nichos da diversidade sexual, de gênero e raça. Ele concorda: está nas mãos de alguma minoria marginalizada a maior probabilidade de surgir um cinema renovador, uma vez que, por tratarem de temáticas periféricas, fora do cinema hegemônico, grupos minoritários podem se dar liberdades de experimentar e serem ousados na abordagem. Ele complementa:


João: Tem um curta-metragem, Progressive Touch (2020), que chegamos a considerar se poderíamos exibir ou não, porque ele é um filme de sexo explícito. Esse é o único que tem um aviso sobre as cenas. Tem muito close, tem close ali que não tem em filme pornô. Aí vem esse lado da experimentação (...) isso por si só garante [a qualidade do filme]? Não, mas isso junto com a qualidade acaba revelando um filme como Progressive Touch, que tem o impacto que poucos curtas já conseguiram me causar na vida, e é de uma plasticidade, de uma beleza e de um envolvimento com o espectador... A gente busca então aliar os dois e quebrar barreiras.


Por fim, João Fleck fala de maneira geral sobre como o subtexto LGBTQIA+ enriquece a programação do festival, considerado o terceiro maior da América Latina e um dos maiores do Brasil.


João: O subtexto homoerótico pode ser encontrado em muitos filmes do XVII Fantaspoa, especialmente nos curtas Progressive Touch, Fiend of a Fiend (2020), Inabalável (2020), Sobre Nossas Cabeças (2020) e Mr. Sam (2019), e nos longas Playdurizm, Trans (2021) e Sangre Comigo (2020). São histórias muito intensas dentro da temática de diversidade sexual (...) o Sangre Comigo é contado por uma diretora e uma atriz lésbicas que levam esse tópico para dentro do filme, então não é só a questão de fugirem da heteronormatividade, mas de levarem essas vivências à discussão. E aí que está: como eu vou comparar isso com um cara que tá fazendo o mesmo tipo de filme há 15 anos?


O Esqueletos fez a Cobertura do XVII Fantaspoa, acesse o link para ver o que achamos de vários dos filmes selecionados para esta edição.

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