[Artigo] Eggers e Herzog na Terra dos Fantasmas: Refilmando Nosferatu em 1979 e 2024
A sombra do vampiro que espreita nas escadas, prestes a adentrar o quarto de sua vítima, é talvez o quadro mais genuinamente apavorante do cinema. Ou pelo menos é pra mim, desde que assisti Nosferatu pela primeira vez aos 7 anos de idade, numa fita alugada da baixíssima qualidade. Tem algo sobre esse filme que tem mais de 100 anos que não deixa meu subconsciente em paz, e talvez justamente por ter mais de 100 anos, e ir envelhecendo progressivamente mais a cada ano, o torna cada vez mais remoto, enigmático e talvez até perigoso. São imagens que transcendem suas origens enquanto uma adaptação não-autorizada de Drácula (quem conhece apenas de nome pode até se surpreender ao descobrir que eles contam a mesma história), e cutucam o fundo da mente como a transmissão de um sonho sombrio - de outra época, de outra dimensão - que, como a fita de O Chamado, podem saltar da tela a qualquer momento e te devorar.
Recriar Nosferatu como um megaprodução Hollywoodiana para uma geração que parece menosprezar cada vez mais o cinema soa como um desafio quase sisífico. De fato, o projeto foi interrompido diversas vezes ao longo dos anos, chegando muito perto de nunca acontecer. Para o diretor, era como se o próprio Murnau estivesse sabotando do além esses norte-americanos tentando emular seu pesadelo muito particularmente alemão. Ele também corria o risco de estar refazendo um filme que já havia tido um remake ideal em 1979, que - com o elenco dos sonhos de Klaus Kinski, Isabelle Adjani, e Bruno Ganz - consegue desbancar o anterior em muitos aspectos.
Com tantas pedras no meio do caminho, o Nosferatu americano acabou acontecendo e sendo lançado apenas dois anos após o centenário do original, e por bem ou por mal, revelou uma abordagem completamente diferente do esperado. O Nosferatu de Eggers é um filme que grita, geme, sangra e goza.
O de Herzog, por outro lado, é um filme que sussurra e chora silenciosamente, letárgico e hipnótico como os últimos suspiros de vida. Não sendo exatamente um diretor do gênero, o realizador alemão opta por caminhos menos convencionais para criar a atmosfera crepuscular necessária - seja pelas escolhas de música, ou pelo ritmo e a decupagem dos picos de intensidade. Ele evoca um olhar documental mesmo em seu trabalho mais fantasioso, registrando os momentos mais lúdicos da narrativa com um naturalismo distanciado, um documentarista gravando um pesadelo. O sobrenatural se manifesta de forma mais prática, como mera força da natureza - o vampiro é um animal na selva, tão perdido e assustado quanto feroz e voraz num mundo sem deus ou diabo, movido apenas pela lei do mais forte.
Eggers vai pelo caminho contrário, trocando esse distanciamento por uma imersão total e absoluta. Bram Stoker escreveu Drácula de forma epistolar, vagando por diferentes pontos de vista entre anotações de diário. A câmera subjetiva de Jarin Blaschke traduz perfeitamente essa escolha de linguagem para imagens em movimento, flutuando pelo subconsciente dos nossos protagonistas como se lendo seus pensamentos num pedaço de papel, saindo de uma perspectiva para outra de forma quase imperceptível. Para um filme que começa mergulhado em absoluta escuridão, é como se essa mesma escuridão ganhasse forma como um ser consciente e onipresente, que entra e sai dos corpos dos personagens, permitindo essa espiada para dentro de suas almas.
Lily-Rose Depp como Ellen Hutter
Essa distinção fica particularmente evidente numa sequência que é ponto alto de ambos os filmes: a jornada de Hutter/Harker ao castelo. Na versão de ’79, acompanhamos Bruno Ganz por espetaculares paisagens montanhosas, em movimentos de camera que parecem quase improvisados. Não se tenta esconder os corrimões anacrônicos no meio das cachoeiras, ou que o “cocheiro fantasma” é apenas um cocheiro local encontrado pela produção interpretando a si mesmo. Herzog se interessa pelo “descontrole" do ambiente, se deixando guiar pelos seus arredores sem tentar domá-los. O clima que se cria pela música não é de medo, e sim, deslumbramento. O som monumental de Das Rheingold de Richard Wagner é um convite para adentrar a morada dos deuses. Estamos escalando o Olimpo, enquanto as nuvens no céu crepuscular conjuram um castelo encantado onde antes haviam ruínas. E quando as portas desse castelo se abrem, a música dissipa instantes antes do clímax, revelando um ser que talvez seja mais fraco e triste do que assustador. Sua tentativa fútil de emular um comportamento humano é tão sinistra quanto patética - o último dos deuses em um mundo sem fé. Em contrapartida, o Conde de Skarsgård é nem homem ou divindade, mas algo ali no meio - uma figura alta, imponente, e talvez mais rude do que assustadora.
Herzog encontra sua autenticidade nas locações, na figuração de não-atores, na improvisação. Eggers é igualmente obcecado pela autenticidade, mas seu estilo não poderia ser mais diferente. Um diretor que parece ter verdadeiro horror ao improviso, todo o seu mise-en-scène é meticulosamente controlado e calculado. Mesmo quando filma em locação, tudo é orquestrado para ter o efeito de uma pintura - de traços mais Românticos do que Expressionistas, entretanto. Eggers parece calcular até o número de flocos de neve que caem enquanto Hutter, uma pequena silhueta contra a pálida luz do luar e as árvores sombrias que rasgam o céu, se vê cara a cara com uma carruagem fantasma que parece ter cavalgado direto do Le Maschera del Demonio (Mario Bava, 1960) para dentro desse filme. É um rigor que deixou alguns dos seus trabalhos anteriores um tanto quanto frígidos, mas que surpreendentemente, atinge um estado de graça em Nosferatu - com a formalidade de um grande coreógrafo. De fato, o momento em que Hutter chega no vilarejo romani é talvez o número musical mais eletrizante do ano. Posteriormente, quando ele finalmente se vê cara a cara com o Conde, a ação se transforma num balé de chamas e sombras em que o horror está sempre valsando no canto do olho - seja uma estatua que parece se mover magicamente pelo reflexo do fogo, ou como o silhueta de Orlok contra a luz da lareira oculta sua verdadeira aparência. Val Lewton já diria que o horror implícito é sempre mais eficiente pois permite que a imaginação molde no escuro aquilo que realmente assusta cada espectador, e de fato, Orlok, enquanto uma sombra no canto do quarto, é uma força onipresente que está sempre no limiar entre delírio e realidade, evocando um horror primitivo e imensurável.
Tamanho é o poder daquilo que Eggers sugere em relances, que quando finalmente vemos nitidamente nosso titular antagonista, o efeito pode ser um tanto decepcionante. Tentando reinventar a aparência do “primeiro vampiro” para um público que talvez associe Nosferatu a uma piada de Bob Esponja, a primeira aparição do Conde remete diretamente a sua descrição do livro, incluindo o bigode que conseguiu escapar da maioria das adaptações. O diferencial aqui é que em vez de ficar mais jovem a cada mordida, esse Orlok é uma figura distorcida pelo tempo, simultaneamente jovem e idosa. Um corpo em decomposição, muito mais disforme e grotesco do que seus antecessores, mas que ainda mantém traços do belo rapaz que ele havia sido um dia. É uma ideia interessante, mas que na prática nem sempre funciona, talvez justamente por aquilo que distingue o personagem de Murnau das suas origens literárias - uma ausência de humanidade quase absoluta, que fazem dele mais símbolo do que personagem de fato.
O Conde Drácula rejuvenescendo conforme se alimenta de suas vítimas que, por sua vez, se transformam em criaturas lascívias da noite como ele. São as palavras de um autor sexualmente reprimido navegando a repressão sexual na era vitoriana - com a figura transgressora do Outro, do estrangeiro primitivo e pagão, invadindo uma terra santa e corrompendo a virtude daqueles que a habitam. Já o Conde Orlok é uma figura muito mais simples. Ele não viaja ao exterior para propagar sua espécie, mas sim, como a materialização da Praga eliminando todos que cruzam seu caminho. O beijo do vampiro não traz promessas de vida eterna ou libertação sexual - apenas sinalizam uma morte total e definitiva. Ele é, pura e simplesmente, a Sombra da Morte - um bicho papão sem passado ou futuro, que talvez nunca havia sido humano em primeiro lugar.
Isabelle Adjani e Klaus Kinski (1979)
O elemento do Drácula enquanto uma figura que subverte e corrompe se mantém nos remakes - em 2024, de forma mais similar ao livro, pela influência sexual de Orlok sobre Ellen, que choca e perturba seus amigos e parentes; e em 1979, de forma mais abrangente, pela forma como a Peste destrói as instituições e “liberta" a sociedade burguesa das amarras sociais e morais do capitalismo. Herzog não teme o apocalipse, Eggers sim - e isso de certa forma é a chave para entender como cada um tenta humanizar esse vampiro que em tese é totalmente desprovido de humanidade.
Eggers busca racionalizar a escuridão do personagem, encontrando na iconografia ocultista do cenógrafo/produtor Albin Grau (mais do que Murnau, foi ele que concebeu o projeto e a figura de Orlok como a conhecemos) uma resposta para as origens do seu monstro. Trechos de diálogos e detalhes de figurino e arte indicam que ele havia sido um feiticeiro que, corrompido cada vez mais pelas artes ocultas, foi gradualmente se transformando na “aberração" que conhecemos. Referenciando um outro filme de Murnau, esse Orlok também possui um caráter mais Mephistopheleano - o contrato que ele assina com Hutter é quase um literal pacto com o Diabo, vendendo a alma de Ellen pelo ouro do vampiro. A sombra do mesmo que engole a cidade evoca mais Fausto (1926) do que Nosferatu. É uma escolha inspirada.
Menos inspirado, porém, é a variação da trama romântica popularizada pelo Drácula de Coppola (a reencarnação da esposa morta do vampiro, ao contrário do que muitos imaginam, nunca esteve presente no livro), sua conexão com Ellen vai além de uma atração baseada numa fotografia: foi ela que, com suas forças psíquicas, inconscientemente (ou não) o invocou dos mortos, e o trouxe para Wisbourg no intuito de libertá-la, em troca das várias vidas que ele consome no caminho. O objetivo da sua viagem, assim como no filme de 1992, é encontrar Ela especificamente.
No fim, é um excesso de explicações e complicações que roubam do personagem aquilo que torna a interpretação de Max Schreck tão apavorante mesmo depois de um século: a irracionalidade da sua existência, e portanto, a irracionalidade da Morte. Para um filme que cria uma atmosfera tão impecável de pesadelo, é uma pena que o seu titular antagonista seja - pelo menos quando presente na tela - o aspecto menos cativante do todo. Nem mesmo o tão esperado pau do Nosferatu é suficientemente grotesco ou sexual para criar um frisson (fico só imaginando o que um Walerian Borowczyk teria feito com o mesmo roteiro), e a atuação do Bill Skarsgård acaba sendo um pouco excessivamente caricata para casar com a visão mais séria dessa adaptação - sua voz soa como uma paródia acidental do Gary Oldman no primeiro ato do Drácula de Bram Stoker, e seu temperamento excessivamente irritadiço ocasionalmente o aproximam mais de um bully colegial do que um mago ancião com poderes inomináveis. E pensando que no mesmo ano que tivemos o delicioso Os Vourdalak - também uma releitura de um filme clássico de vampiro, com muitas propostas estéticas e temáticas similares, e um monstro Orlokiano muito mais criativo e bizarro - o resultado peca um tanto em comparação.
Mesmo perdendo um pouco a mão na sua caracterização do vampiro central, Eggers acerta ao colocar o foco da narrativa em Ellen, a pobre esposa que se sacrifica para salvar sua comunidade das forças maléficas que assolam a cidade. É interessante pensar como, apesar de Eggers ter dito rejeitar o remake anterior como referencia por não gostar das suas escolhas estéticas (e nitidamente os dois filmes optam por caminhos visuais completamente diferentes), ele parece dialogar diretamente com seu antecessor através dessa personagem, até na própria caracterização de Lily-Rose Depp. Os dois filmes começam praticamente da mesma forma inclusive: a esposa assombrada acorda de um pesadelo premonitório, alertando sobre as mortes porvir. Em outro momento, enquanto o encontro de Orlok e Ellen no original ocorre apenas no clímax, nos dois remakes há uma cena em que o vampiro se materializa no quarto da jovem oferecendo uma barganha: ela deve se entregar para ele em troca da salvação de seu marido. Sua rejeição desse pedido faz com que o vampiro expanda seu reino de horror, a praga consumindo a cidade cada vez mais.
Enquanto Eggers escolheu manter os nomes dos personagens do roteiro original, Herzog se aproveitou do livro ter entrado em domínio público para reutilizar os nomes de Stoker. É interessante que ele optou batizar sua Ellen de Lucy, e não Mina, que seria o nome correto da esposa de Jonathan Harker. Muitas adaptações, inclusive o Drácula de John Badham lançado no mesmo ano, trocam os nomes desses personagens de forma randômica, mas aqui parece uma decisão mais consciente. Afinal, a Ellen de Murnau é uma mistura das duas personagens que talvez seja menos Mina do que é Lucy - a garota sonâmbula que vive sob constante influência do vampiro, e que eventualmente morre drenada de sangue pelo próprio.
Os três filmes possuem o personagem da “melhor amiga” que poderia ser a Lucy do livro - nomeada Ruth em 1922, Mina em 1979, e Anna em 2024 -, mas ela acaba não tendo muito em comum com sua equivalente literária para além disso (mesmo tendo bem mais tempo de tela com Emma Corrin). Eggers enfatiza ainda mais a justaposição de personagens, com Ellen sofrendo todos os ataques e transformações acometidos a Lucy de Stoker, seja pelas mãos do vampiro ou dos seus próprios médicos e amigos que buscam sua “salvação”. A Ellen de Lily Rose Depp, temida e amarrada pelos seus surtos psicossexuais, é a Puta para a Madonna de Isabelle Adjani, que surge como uma espécie de Anjo da Luz contra o Anjo da Morte de Kinski. Isso porque Herzog destila ainda mais a narrativa, atribuindo a Adjani
todas as ações dos vários personagens masculinos que tentam caçar e destruir o Conde.
Lily-Rose Depp e Emma Corrin (2024)
Enquanto Eggers recupera do livro o grupo de caçadores de vampiros (liderados por um Willem Dafoe deliciosamente surtado) que partem numa intensa jornada para destruir o invasor sanguessuga, Herzog descarta totalmente esses personagens, deixando apenas um Van Helsing inútil e cético, que surpreendentemente não acredita no sobrenatural. Dada a incompetência das figuras masculinas “protetoras”, cabe a Lucy exorcizar a casa de Drácula e seus caixões, e fazer um círculo de hóstias para proteger seu amado que está sob a influência do vampiro. Numa fascinante inversão de papéis, é o próprio Jonathan que acaba ocupando a função normalmente atribuída a Mina, como a pobre vítima do vampiro que está definhando no terceiro ato e precisa ser resgatada de sua influência antes que seja
tarde demais.
ATENÇÃO: spoilers do final nos próximos 2 parágrafos... São spoilers de mais de 100 anos, mas leia por sua conta em risco!
Mesmo com as divergências no meio do caminho, ambos os filmes crescem para o mesmo trágico fim de Murnau, mas colocando um elemento erótico que fica ainda mais evidente e explícito em Eggers. É o clímax de uma longa dança da morte entre essas duas solitárias criaturas do submundo - uma presa na luz, outra presa nas sombras, cuja consumação levará a um único, imutável, inevitável destino. Em Eggers, o gozo da morte é a libertação sexual de Ellen, que aceita sucumbir a sua verdadeira natureza, e abraçar a escuridão que o mundo rejeita. Em Herzog, é menos sobre o prazer de Lucy, cuja sedução do vampiro é mais um meio de alcançar seu objetivo, e mais sobre o próprio Drácula que está disposto a sacrificar sua imortalidade em troca de algumas horas de prazeres carnais - morder o pescoço de uma vítima que consente seu ataque é o mais próximo que ele consegue chegar de uma experiência sexual.
Sua morte é seca e sem firulas, tão silenciosa e patética quanto sua existência na Terra. Aceitando sua humanidade, e portanto sua mortalidade, através do toque da carne, ele padece também como homem - sem transformações ou desintegrações, quase um inseto que levou um jato de inseticida. É uma imagem anticlimática para quem espera um grand-finale sangrento que se tornou obrigatório para filmes de vampiro pós-Hammer, mas que condiz totalmente com a abordagem mais clínica e naturalista de Herzog. Ele ainda acrescenta um epílogo tão hilário quanto poético: a morte do Conde não salva a cidade do “fim dos tempos” - as instituições foram desconfigurados de forma irreparável, e os habitantes que sobreviveram a praga sucumbiram completamente a loucura - e Jonathan renasce como o novo Cavaleiro do Apocalipse em seu lugar, cavalgando rumo ao desconhecido ao som celestial das missas de Gounod.
Fim dos spoilers centerários!
Para quem prefere um desfecho menos simbólico e mais espetacular, Eggers oferece um esplendoroso banquete de delícias góticas. Vestidos de Noiva! Peitos! Ratos! Fogo! Lágrimas de Sangue! Monstro Metendo! Willem Dafoe segurando um gatinho! É um sonho febril do qual há tempos não se presenciava num filme mainstream (de fato, talvez a última vez que tivemos algo nessa escala foi o próprio Drácula de Coppola), e uma tão necessária ejaculação após mais de duas horas de edging nas mãos de Robert Eggers (mas que boa ideia!) que sempre corria o risco de descarrilar. Enquanto o sangrento beijo da morte traz de volta o Sol para a cidade e a salvação para todos, o próprio filme também se resgata do abismo, fazendo esquecer os percalços no meio do caminho (incluindo, de novo, seu próprio personagem título) para encerrar sua sinfonia de horrores com a mais imaculada imagem de puro horror gótico que tivemos esse ano.
O Nosferatu de Bill Skarsgard (2024)
O caminho que Eggers percorre na sua adaptação acaba sendo mais íngreme e irregular que seus antecessores, em parte porque tenta complicar uma narrativa que funciona justamente pelo seu poder de síntese, e em parte porque escapar da sombra do vampiro mais influente do cinema é quase impossível. Herzog se safou desse problema, talvez em conta do seu compatrício com Murnau, por saber dialogar de forma mais direta com a imagética do original. Eggers tentou ser mais rebelde nas suas divergências - o que é sempre bem vindo, mesmo que nem sempre funcione. E no fim das contas, todo fã de Drácula pode afirmar que as mais interessantes interpretações do livro sofrem dessa mesma assimetria, de pontas soltas e contradições, pois o que acaba prevalecendo são as imagens que se tatuam no inconsciente coletivo por gerações. A primeira adaptação legalizada, dirigida por Tod Browning, sofre com uma segunda metade excessivamente travada, em que toda a ação é discutida mas nunca vista - mas o poder da sua primeira metade, com aqueles cenários medievais em delicioso preto e branco, a atuação surreal de Bela Lugosi, e a sublime ausência de trilha sonora, são o suficiente para colocá-lo no panteão dos grandes pesadelos cinematográficos. O livro de Bram Stoker nada mais é do que um playground para estetas, de Guy Maddin a Terence Fisher, explorarem a beleza sensual do macabro no seu estado mais puro, cada um interpretando essas passagens de diários mal-assombrados com sua própria assinatura.
Se um grande diferencial do Nosferatu de Herzog é o seu ceticismo, então o ponto forte do Eggers é justamente acreditar piamente na magia. Seu filme é um grimório sensual cujos feitiços podem ser muito mais poderosos que os d'A Bruxa, e que ressuscita uma abordagem operística e apaixonada das grandes fábulas do medo - um tipo de filme que por muito tempo esteve dormente nessa escala de produção, mas nunca morto.
NOSFERATU
2024 | EUA | 2h12min.
Direção: Robert Eggers
Roteiro: Robert Eggers
Elenco: Nicholas Hoult, Lily-Rose Depp, Aaron Taylor-Johnson, Emma Corrin, Willem Dafoe e Bill Skarsgård
ai que BAPHO o jeito que o matheus marchetti se expressa, parece que tô lendo um conto de fadas pervertido em forma de review