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Foto do escritorYuri Cesar Lima Correa

[Crítica] Halloween Ends troca violência frenética por desfecho digno

Não acho que Halloween Ends (2022) seja um bom slasher, mas com certeza o considero um bom filme sobre Laurie Strode (Jamie Lee Curtis). Último capítulo da trilogia dirigida por David Gordon Green, o longa assume mais os ares de um spin-off, do que de continuação. É como se Halloween Kills (2021) tivesse sido o fechamento épico da saga de Michael Myers; afinal, ele que é, de fato, o terceiro filme nessa linha da franquia, já que dá sequência direta a Halloween (2018), que por sua vez é uma continuação-legado de Halloween (1978). Ends, portanto, chega depois que a festa já acabou. A turba furiosa do filme anterior deixou uma bagunça, e esse derradeiro capítulo vem com a vassoura pra limpar, pois, como costuma acontecer com multidões enraivecidas, seu grito de guerra estava errado. “O mal acaba esta noite!”, entoavam eles, mas o mal não acabou naquela noite, ele apenas transformou-se.



Derrotar o monstro não elimina o trauma. Sim, o tão zoado “trauma” repetido à exaustão por Jamie Lee Curtis durante toda a campanha de divulgação dos três filmes, por fim, se provou verdadeiro. Passaram-se quatro anos desde a noite terrível em que as ruas foram tomadas por pessoas raivosas dispostas a matar. Sem nunca ter conseguido expiar os crimes do passado, a comunidade está corrompida pelo medo e seus habitantes apontam dedos uns para os outros enquanto o verdadeiro mal ressurge dos esgotos. Uma sinopse de Halloween Ends, mas também do Brasil em 2022. O QuÊ? PoLíTiCa? Pois é amiguenhos, se a própria trilogia de David Gordon Green faz um esforço notável para se politizar em cima do sentimento anti-Trump, quem sou eu para negar esse gostinho ao público PT-BR? Não, me recuso a deixar de apontar que, tal qual no filme, nesse próximo Dia das Bruxas teremos a chance de enfrentar novamente o nosso maior trauma, sabendo agora que derrotar o bicho-papão não põe fim ao medo que ele plantou. Estamos saindo deste período alquebrados e, como deixa muito claro o congresso que acabamos de eleger, o processo de cura dependerá mais de ações individuais do que da troca de presidente. E em ambos os casos, a melhor solução é apoiar o nome com L.


L de LAURIE, que, quatro anos após o sumiço de Michael Myers ao final de Halloween Kills, recobra alguma humanidade e agora vive numa casinha de cerquinha branca com sua neta Allyson (Andi Matichak), testando receitas e investindo seu tempo livre na escrita de um livro para exorcizar todos os horrores que experimentou. Isso não impede, porém, que ela seja chamada de aberração pelos adolescentes locais, nem a protege de ser confrontada por familiares das vítimas de Myers durante as compras no supermercado. E com essa grande concentração de gente trouxa do caralho, Haddonfield fica parecendo até São Paulo e aí é fácil focar na protagonista. Sim, embora presente em outros 7 filmes da franquia, incluindo sua pontinha de voz em Halloween III (1982) e o desfecho patético de sua personagem no amplamente ignorado Halloween: Ressurreição (2002), é aqui que Laurie finalmente ganha espaço para ser mais do que a eterna final girl. A bem da verdade é que Ends se aproveita dessa bagagem/relação com o público, que viu Jamie Lee Curtis viver Laurie sistematicamente ao longo dos últimos quarenta anos; assim, o filme se permite fugir da fórmula geral da franquia: Michael escapa e mata um monte de gente, ponto.



O assassino mascarado, inclusive, não é sequer visto até pelo menos uns trinta minutos de filme, tempo que é dedicado a explorar outras nuances daquele lugar e daquelas pessoas, antes apenas palco e vítimas para Myers. Nesse sentido, a cena inicial faz um trabalho excelente de subverter nossa expectativa, usando o molde dos filmes anteriores para entregar uma abertura com outro foco — e talvez a mais chocante desde o prólogo do longa de 1978. Tá, e por onde anda Michael Myers? Michael eu não sei, mas Laurie anda fazendo compras e flertando com o policial Hawkins (Will Patton), algo que sinceramente me colocou um sorriso no rosto. David Gordon Green reconhece que, muito antes do embate final, a catarse está em ver essa fatigada personagem encontrando pequenos momentos de felicidade, de modo que cenas como essa (ainda bem) se estendem na montagem. Diferentemente de Kills e seu ritmo frenético de ação e violência (que eu gosto), Ends é repleto de respiros, de diálogos e pequenas interações, não apenas de Laurie e Hawkins, mas de Allyson e Corey (Rohan Campbell) também — vistos algumas vezes através de uma montagem Lynchiana ora meio Coração Selvagem (1990), ora meio Twin Peaks (1989). Em especial, curto bastante a bela fusão que funde as mãos de Allyson com a lua cheia; de forma similar, quando ela e Corey revisitam o cenário de uma antiga tragédia, é eficiente a mesclagem que coloca eles conversando de andares diferentes pelo vão das escadas. Não que seja um grande feito cinematográfico, mas uma vez que o filme tem pouco tempo para desenvolver o tal do Corey e esse relacionamento com a Allyson (do zero), o simbolismo ajuda a acelerar a percepção de que, apesar de partilharem de alguns sentimentos, os dois falam literalmente a partir de posições muito diferentes. E sim, há não apenas um, mas dois romances estabelecidos e desenvolvidos antes de Michael Myers dar o ar graça.



Pera, quer dizer que não tem morte nesse filme?? Calma senhor eleitor do Bolsonaro, claro que tem sim — algumas muito boas. Em parte, é pra isso que a gente paga o ingresso. A diferença (corajosa, eu diria), é que na maioria das vezes a mão por trás da faca não é a do stalker mais resiliente da história do cinema. Basta dizer o seguinte: eventualmente, Michael entra em cena, mas isso é bem para o final. Na maior parcela do filme, assim como Laurie, ele também está recluso e demonstrando o efeito dos traumas de inúmeros embates ao longo das décadas; o que devolve ao personagem um senso de humanidade que havia sido completamente retirado dele ao final de Kills — e isso, além de ser coerente com os eventos do filme anterior, também torna aquele desfecho ainda mais interessante: seria Myers realmente um monstro imparável, ou essa era apenas a perspectiva da adoecida cidade de Haddonfield? Fato é que o bicho surge aqui com um puta downgrade de seus “poderes”, algo essencial para acreditarmos que seria possível um combate justo entre ele e uma idosa.


E embora seja doce e tocante acompanhar as tentativas desta sênior para ter um final de vida feliz, é também muito espertinho da parte de David Gordon Green colocar nas roupas de Laurie detalhes que remetem ao “IT’S ABOUT TRAUMA”; e gosto particularmente dum casaquinho que exibe a cor terrosa associada à personagem desde Halloween (2018), mas que, no final da cena, quando ela vira as costas e vai embora, revela ter a parte de trás toda tingida no mesmo tom de azul visto na icônica blusa usada pela moça no filme de 1978 — outra metáfora um tanto quanto literal (e, novamente, não menos eficiente), dessa vez sobre como Laurie ainda carrega o “IT’S ABOUT TRAUMA” nas costas, mesmo tentando disfarçar que não.



Assim, é apenas coeso que, nos momentos que antecipam o clímax, Laurie tire seu casaco (também de cores terrosas) e revele de forma simples e nada cerimoniosa que está usando praticamente o mesmo figurino visto no Halloween original. E se eu costumo achar cafona demais esse lance de trazer personagens-legado usando os mesmos looks de quarenta anos atrás (vide Star Wars, Jurassic World etc.), aqui faz todo sentido que a paranoica e sociopata Laurie, a mesma que passou décadas construindo uma armadilha em forma de casa para pegar Michael Myers na hipótese dele TALVEZ voltar para matá-la, decida configurar um cenário muito similar ao do seu primeiro embate com o assassino para expiar de vez o seu “IT’S ABOUT TRAUMA” — não ironicamente, uma expiação precedida de um sonoro “Você achou mesmo que eu iria me matar?”, dito pela agora rainha do Setembro Amarelo que com a força da saúde mental em dia, consegue finalmente bater de frente com seu algoz. Tanta coerência acaba amarrando não apenas as pontas do arco da final girl nesta trilogia, mas em toda a franquia — e finalmente, de forma muito digna. Enfim vestida em tons terrosos sem resquícios do azul do Alckmin… COF COF, digo, do azul do trauma, Laurie é vista pela última vez muito bem resolvida e encaminhada. E hão de ter aqueles que se incomodem com a mensagem que carrega o desfecho de Halloween Ends, em especial depois de tantos paralelos políticos, mas aí pergunto eu: você saberia reconhecer hoje o Mussolini numa foto que não esteja de cabeça para baixo? Fica aí a reflexão, pois traumatizados já estamos todos, a grande questão é como vamos usar esse sentimento.

 

HALLOWEEN ENDS

2022 | EUA | 105 minutos

Direção: David Gordon Green

Roteiro: Chris Bernier, David Gordon Green, Danny McBride e Paul Brad Logan

Elenco: Jamie Lee Curtis, Andi Matichak, Rohan Campbell, Will Patton, Kyle Richards, Nick Castle


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