[Crítica] O Retorno de Leatherface devolve histeria ao Massacre da Serra Elétrica
Poucos momentos do cinema foram tão histéricos quanto os trinta minutos finais de O Massacre da Serra Elétrica (1974), obra-prima máxima de Tobe Hooper. Da cena macabra do jantar à perseguição final pelas estradas ensolaradas do Texas, a experiência de estar nos sapatos de Sally (Marilyn Burns) é tão perturbadora, desconcertante e descolada da realidade que sobra apenas uma linha tênue entre o grito e o riso. Esse elemento sempre esteve presente na franquia original, seja na paródia que seu próprio criador fez em forma de sequência (O Massacre da Serra Elétrica 2, 1986) ou no caótico e histriônico The Next Generation (1994), ambos ganhando o devido reconhecimento ao longo do tempo. Mas então vieram os anos 2000 e aquela necessidade de tudo ser sério e fidedigno à "realidade", filtrado, sem cor, violento como nunca havia sido antes etc. Foi ali que uma peça essencial dessas histórias se perdeu.
Por isso, minha maior satisfação com O Retorno de Leatherface (2022), que não é a primeira, mas a segunda e definitiva legacy sequel da série, foi constatar o resgate desse aspecto histérico. Seguindo a cartela, temos o icônico vilão geriátrico voltando para mais uma matança, juntamente com um novo açougue de vítimas e o auxílio especial de um rosto familiar: Sally Hardesty, interpretada agora por Olwen Fouéré, encarnando a final girl clássica com sede de vingança, musa da direita armamentista — uma figura garantida na ressurgência dos slashers pós-Halloween (2018).
Aqui, o grupo protagonista de millennials vindos da capital compra uma pequena cidade fantasma no interior do Texas. O intuito é transformá-la num point gourmet com restaurantes e bares para revitalizar a área. Porém, eles encontram resistência da senhora dona de um antigo orfanato (pontinha da sempre ótima Alice Krige), única residente que sobrou no local juntamente com seu "filho": ninguém menos que o Leatherface. Quando as coisas ficam mais intensas, chega a hora do Cara-de-Couro tirar a poeira da motosserra e marcar que esse território é seu.
Com pouco mais de 80 minutos, não há intenção de desenvolver os personagens não-gostáveis além de algumas óbvias inserções do roteiro. Além da relação principal das duas irmãs, há uma segunda dinâmica interessante e mal explorada entre a caçula Lila (Elsie Fisher), sobrevivente de um tiroteio escolar com trauma de armas, e Richter (Moe Dunford), mecânico local com afeição justamente por armas. Infelizmente as coisas andam rápido demais pra se aprofundar nessas nuances, fazendo com que Leatherface se torne o principal carisma do filme, uma força anti-gentrificação serrando e mutilando sem piedade.
Sua máscara é fresca, e dá a impressão de que o rosto está derretendo sob o sol, úmida e grotesca. Ainda assim, quando temos personagens que deliberadamente expulsam uma senhora de idade com problemas respiratórios carregando um carrinho de oxigênio da própria casa, causando seu infarto, fica mais fácil torcer pro vilão. E o filme se diverte horrores com isso, com mortes criativas e brutais, incluindo uma chacina de chover sangue dentro de um ônibus (provavelmente uma das melhores cenas da franquia). Mark Burnham, o novo intérprete do assassino, encarna a fisicalidade do falecido Gunnar Hansen de maneira impressionante, com certos momentos lançando lampejos de familiaridade com o Massacre original.
Há também toques de absurdo nesse filme, de um modo que há tempos a franquia não se permitia ser. A veia cômica na maneira com que a narrativa lida com esses personagens privilegiados e o choque de cultura entre as duas comunidades resulta em momentos impagáveis, como os acionistas abrindo uma live no Instagram e ameaçando o Leatherface de cancelamento nas redes sociais momentos antes de serem trucidados pelo vilão. O roteiro de Fede Alvarez e Rodo Sayagues, dupla responsável pelo remake de A Morte do Demônio (2013) e pelo suspense O Homem nas Trevas (2016), se aproveita disso para pesar a mão na maldade; as mortes ganham ar mais perverso, e isso sem perder o tom divertido de um bom slasher. Isso difere o novo filme, por exemplo, da prequel O Início (2006) — talvez o capítulo mais violento da franquia, mas que não deixava espaço para a descontração, pois se lavava muito a sério e trazia pesadas doses de crueldade.
O que Hooper e sua equipe fizeram no Massacre original é irreproduzível, uma junção muito específica de contextos socioeconômicos e políticos com as condições precárias de produção; o famoso "raio na garrafa". Foi uma antítese ao cinema de terror mainstream da época, que se encaminhava para algo cada vez mais classudo e experimental. Aí chegou Hooper com sua estética documental que rasga a membrana invisível que separa o público da ficção na tela branca. Repetir o mesmo efeito se tornou impossível a partir do momento em que se tornou uma franquia de estúdios, então o que resta pros novos capítulos é reconhecer isso e tentar fazer seu próprio trabalho.
Por isso, vejo muita consciência em basicamente tudo que O Retorno de Leatherface faz. Ele é ciente dos seus exageros e do humor inerente a essas escolhas; é ciente também de que trata-se outra vez de um filme de estúdio, se aproveitando de cenários plásticos e chuvas artificiais pra criar setpieces interessantes. Mas acima de tudo, é uma obra ciente de que representa a sequência de legado logo num tempo em que predominam as sequências de legado. A presença da Sally, com frases de efeito prontas e uma marra alá Laurie Strode, poderia ser facilmente substituível por qualquer outro personagem, mas acaba servindo como um contraponto malicioso para a moda atual do gênero. É o filme tomando uma posição na discussão e afirmando: ela não é a estrela aqui.
Como franquia, Massacre da Serra Elétrica sempre foi inconsistente, portanto nunca se sabe muito bem o que esperar de um novo exemplar, muito menos o que este pode fazer pra ser considerado bom. Pois O Retorno de Leatherface se importa menos com o seu legado quanto se imaginaria, ainda que alguns totens como a motosserra original e a narração de John Larroquette estejam presentes. Mas é sendo um slasher econômico, direto ao ponto, brutal, odioso e estupidamente divertido que a obra resgata a histeria inata do seu DNA. Essa franquia não se divertia tanto consigo mesma desde Next Generation, e acreditem, esse é o melhor elogio que alguém poderia dar para o novo filme.
O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface está disponível na Netflix.
TEXAS CHAINSAW MASSACRE
EUA | 2022 | 81 min.
Direção: David Blue Garcia
Roteiro: Fede Alvarez, Rodo Sayagues
Elenco: Elsie Fisher, Sarah Yarkin, Jacob Latimore, Mark Burnham, Moe Dunford, Olwen Fouéré, Alice Krige
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