[48ª Mostra SP] Corações Jovens: criador de CLOSE (2022) oferece romance LGBTQ+ infantojuvenil menos sombrio
Atualizado: 27 de out.
Esse texto é parte da cobertura que o Esqueletos no Armário está fazendo da 48º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo como veículo credenciado, dando enfoque na programação que tenha cruzamentos com o cinema de gênero, as temáticas queers e de sexualidade.
Corações Jovens (2024) não parecia trazer nada que já não tivesse sido visto antes. Para quem acompanha a produção LGBTQ+ mundial, sabe que romances entre adolescentes do mesmo sexo são um nicho de mercado bastante explorado em diversos polos audiovisuais atualmente — com algum destaque, os chamados BLs (boy’s love) e GLs (girl’s love) produzidos em países da Ásia. Hoje, o arquétipo do adolescente de cidade pequena que anda de bicicleta e se apaixona pelo colega de classe já ganhou expoentes pelo mundo: Tempestade de Verão (2004, Alemanha), No Caminho das Dunas (2011, EUA), Garotos (2014, Holanda), Hoje eu Quero Voltar Sozinho (2014, Brasil), Verão de 85 (2020, França) e I Told Sunset About You (2022, Tailândia) são apenas alguns bons exemplos.
Entretanto, chamou a atenção três coisas sobre essa coprodução belga-holandesa: primeiro, a história, que acompanha pré-adolescentes de 13 anos, e não +16 como costuma ser o caso; segundo, o fato de que o título está incluso na programação da 1º Mostrinha, iniciativa inaugurada esse ano dentro da 48º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo trazendo filmes voltados para crianças e o público infantojuvenil — devido às décadas de perseguição e ao pânico moral da extrema-direita sobre a corrupção de menores, infelizmente, temas LGBTQ+ e infância são assuntos que nem membros da comunidade costumam querer misturar. Mas, por último, tem ainda a curiosa participação do cineasta Lukas Dhont, que assina o roteiro do projeto, pois foi ele quem escreveu e dirigiu outro filme holandês recente também focado na relação afetiva entre dois meninos de 13 anos e que, inclusive, acabou sendo indicada ao Oscar: Close (2022). De fato, Corações Jovens parece uma resposta ou uma alternativa ao roteiro anterior de Dhont, criticado por alguns ao tomar rumos excessivamente sombrios.
Aqui, ao lado de Anthony Schatteman, que dirige e co-escreve, ele atende à questão deixada no ar ao final daquele (excelente) filme: e se as coisas tivessem sido diferentes? A nova empreitada se ocupa de ilustrar essa visão mais otimista e surpreende positivamente por quebrar ainda com outras expectativas ao voltar ao interior dos Países Baixos, onde Elias (Lou Goossens), filho de um músico em ascensão, dono de melodias açucaradas voltadas para bailes, divide seu tempo entre ajudar o pai na venda de merchandising e a rotina na escola. É lá que conhece Alexander (Marius De Saeger), seu novo vizinho que acabou de mudar com a família vindo de Bruxelas. Os dois rapidamente se conectam e descobrem uma atração prestes a virar o primeiro grande romance de suas vidas, não fosse um problema; enquanto Alexander é bastante seguro de sua homossexualidade e admite sem problemas gostar de outros meninos, Elias ainda luta contra o sentimento e teme a reação da família e dos amigos caso descubram que está apaixonado pelo colega.
Subvertendo assim a fórmula do preconceito externo, ou seja, aquele que é infringido por outras pessoas, Corações Jovens adiciona uma dinâmica particular ao velho esquema quando coloca o próprio protagonista como o vilão de si mesmo. Dhont e Schatteman até chegam a sugerir o clichê dos valentões, que numa cena, perseguem os meninos até uma casa abandonada. Mas não passa de pura provocação, pois o momento logo é envolvido numa aura de faceirice quando a dupla passa a tratar tudo como uma brincadeira de pique-esconde, e não como a verdadeira fuga de prováveis agressores — aludindo ainda à fábula de fantasia ao encenarem uma luta de espadas dentro da construção que lembra um castelo de conto de fadas. Esse filtro de inocência que permeia toda a narrativa permite a Schatteman levar a sério o drama daqueles personagens, mesmo que eles possam soar bobos aos adultos. “Já fui muito maltratado na vida”, diz Alexander, embora só tenha 13 anos e venha de uma família bastante acolhedora; e ainda assim, entendemos o que ele quer dizer porque o filme não tenta transformar seu exagero infantil em alívio cômico. Destaca-se a delicadeza desse primeiro contato com sentimentos intensos, desvelando camadas em momentos que, noutros contextos não LGBTQs, poderiam soar mundanos. Por exemplo: Alexander tira a cueca e salta no lago pelado, enquanto Elias ameaça fazer o mesmo mas acaba mantendo as roupas de baixo para entrar na água, provavelmente inseguro frente à liberdade que o outro se dá, e também envergonhado de mostrar seu corpo para alguém por quem está nutrindo seu primeiro desejo.
O verniz pueril (de novo, é um elogio) completa-se com a referência a Romeu + Julieta (1996), que os protagonistas admitem nunca terem assistido e, portanto, que desconhecem o final trágico daquela história. Desinformados sobre o fatalismo de sua relação, os dois constituem um romance cujo único obstáculo são seus próprios medos, já que tanto a família de Alexander quanto a de Elias se mostra bastante aberta a todas as questões do mundo moderno — de maneira bastante utópica, diga-se de passagem. Alexander leva seu “petit copain” (namoradinho) para conhecer o bar dos seus tios, onde se apresentam drag queens, amigas do menino. Enquanto isso Elias é acolhido pelo avô, um fazendeiro bronco que nem se preocupa em dar nome aos seus animais, mas é ligeiro ao se mostrar receptivo sobre as dores do neto. Essa coragem em manter o tom juvenil, leve e positivo, desenhando uma narrativa voltada a conversar com um público abaixo dos 15, engrandece Corações Jovens, que não por isso se exime de mostrar a proximidade emocional e física entre os pré-adolescentes gays. E embora admire imensamente Close, se fosse para mostrar um só desses filmes para uma sala de aula da quinta série, eu escolheria esse aqui, que trabalha para a formação de público tanto quanto para a formação de jovens LGBTQs.
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